Os Bancos que se entreguem

Estive hoje numa escola, num Clube de Cinema – Gostos Discutem-se -, a comentar e debater As Vinhas da Ira, numa conversa animada. Disse, entre outras notas, que a despossessão que a família de Joad é vítima, em que perdem o terreno, endividados ao Banco, é muito semelhante à situação daqueles que estão a perder o emprego, a sua casa e são depois forçados depois à emigração.
Sem desemprego, isto é, sem a destruição de riqueza (destruir emprego ou mandar laranjas fora é o mesmo) não há elevação das taxas médias de lucro. O lucro não permite o crescimento, pelo contrário, nas crises, o lucro só se eleva com destruição da riqueza, o termo exacto para aquilo que este Governo designa  como «temos que empobrecer» ou «vivemos acima das nossas possibilidades».

Estava a falar sobre os camponeses Joad quando um jovem, talvez de 16 anos, disse que gostou de ver o filme porque tudo parecia actual…foi, contou-nos sereno e triste, o que «aconteceu a ele, à mãe dele, perderam a casa…»
Disse-lhe o que me ocorreu na hora: enquanto estamos vivos estamos em jogo e podemos reverter esta guerra. É uma frase batida, que não resolve nada. Porque fiquei sem palavras. Fiquei, na verdade, imensamente triste.
Procurarei agora dizer-lhe, imagino que já não me oiça, algo mais sério. As casas em Portugal estão sobre-valorizadas 35% a 50% por causa das mais valias de loteamento e outros negócios. Muitos já pagaram as casas em juros muito acima do que seria aceitável. Há 1 milhão e 500 mil casas vagas em Portugal, metade pertencem a fundos imobiliários que não pagam IMI. O desemprego não cai do céu: cai das políticas do Governo, que desemprega directamente ou facilita pela legislação os despedimentos. No actual estado de coisas não somos nós que temos que entregar as casas ao Banco, é o Banco que se tem que entregar a nós como um criminoso que bate à porta e diz «estou aqui, fui eu».
Como é previsível que não o faça está na hora de sermos nós a bater às portas deles e resgatar os activos. O termo correcto é expropriá-los, nacionalizando desta vez os lucros e não só, como foi feito nos últimos anos, os prejuízos.
Para o fazer não é preciso a lei. É preciso força social. Como dizia o historiador Howard Zinn, que há poucos anos nos deixou, «quando quiseres quebrar a lei fá-lo com pelo menos 2000 pessoas atrás de ti».

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6 Responses to Os Bancos que se entreguem

  1. JgMenos says:

    Delirium extremis…

  2. Miguel Cabrita says:

    Tal como o camponês estava preso à terra e dela não conseguia sair o trabalhador de hoje está preso à sua casa.

    Cuirioso é que o “golpe” foi dado permitindo que aqueles com poucas posses acedessem á propriedade de uma habitação como forma de engordar os lucro.

    É quando aqueles mais desapossados acedem a este tipo de propriedade que se cria uma ilusão de prosperidade para os mais pobres que os leva a assumir posições contrárias aos seus interesses, na defesa dessa propriedade (que para estes é um fardo) recém adquirida.Talvez assim se consiga começar a explicar a razia que os partidos progressistas de esquerda andam a levar por essa europa fora e o que estará ai a vir.

    • JgMenos says:

      Muita confusão!
      A razão primeira foi não quererem mexer na Lei da Rendas fascista!
      Foi talvez o disparate com mais tenebrosas consequências dos muitos que a abrilada promoveu, e seguramente o mais consistente e duradouro.

      • Miguel Cabrita says:

        Ao não se mexer na lei das rendas fascista os antigos senhorios deixaram de ter incentivo de construir para arrendar, e passaram a construir para a venda. Durante anos isto funcionou pois haveria um defice de habitações com minimmos de salubridade.
        Desde pelo menos 1970 boa parte do crescimento económico português foi fruto do boom de construção. Este existe sempre em nexo com os fundos necessários para construir e depois para comprar as habitações construidas, portanto dependia da banca, que durante anos e anos dependeu do dinheiro que a construção civil e o mercado imobiliário lhe davam a ganhar para se expandir e engrossar os lucros que apresentavam. Houve portanto especulação, e esta começou a agravar-se quando começou a haver equilibrio entre as necessidades sociais de habitação e a disponibilidade de habitações para satizfazer essa necessidade. Apesar de já haver um desequilibrio a favor da oferta, os preços das habitações continuaram a subir fruto de dinheiro que ia entrando neste mercado em volume cada vez maior.

        Entretanto a entrada de portugal no euro ocasionou, com os juros baixos a entrada de franjas da população com mais baixos rendimentos no mercado imobiliário comprando habitaçoes usadas. Os vendedores destas habitações entretanto iam alimentando o mercado da construção nova. Era a epoca dos emprestimos a 100% para habitações de €400.000, dos empréstimos para solteir@s a ganhar €600 muitos dos quais apenas com 23, 24 anos, casais com baixo rendimento e empregos poucos qualificados e precários iam alimentando um mercado, que não obstante a aparente euforia em que vivia já dava sinais de estar a contrair-se. Desde 2000 que em praticamente todos os anos se vendaram menos habitações que no ano anterior e o volume de crédito concedido num aparente contra-senso subia todos os anos. Em 2008 o castelo de cartas construido no ar desmoronou-se por completo.

        E apesar da propaganda oficial dizer o contrário a lei das rendas fascista foi revista em 1990 e passou apenas a aplicar-se aos contratos anteriores a esta data. A nova lei já permitia o aumento do valor das rendas, apesar de ser uma lei rigida, não permitia despejos sem justa causa e outras arbirariedades agora promovidas em nome do mercado livre.
        Mas numa sociedade que prosperava eram poucos aqueles que quereriam alugar uma habitação, e muitas vezes aqueles que arrendavam faziam-no numa situação transitória, até que finalmente ao atingirem alguma estabilidade na vida comprassem então casa própria. Os valores das rendas eram e são ainda muito elevados, o que também tornava (e torna) a opção arrendamento pouco atraente.

        Hoje o mercado de arrendamento tem muita oferta, suponho que maior que a procura, e a nova lei dos arrendamentos pouco ou nada veio contribuir para isso, é apenas um reflexo do desequilibrio entre oferta e procura de habitação e da fuga dos capitais financeiros do mercado imobiliário.

        Os bancos entretanto tem as suas carteiras pejadas de imóveis inflacionados. Tente pesquisar um dia se quiser que tipo de habitações tem em carteira e verá que são essencialemnte de dois tipos. Empreendimentos construidos práticamente sem nenhum risco por promotores iluminados e habitações de mais baixo preço, são estas que são entregues pelos menos afortunados, ou porque engrossaram as filas do desemprego, ou porque o subsidio de desemprego se acabou. Entretanto aqueles que não foram ainda varridos pelo sopro da crise (a chamada classe media) teme, e temerá sobretudo a perda da sua habitação, pois ao perderem a casa perdem também os sonhos e o projecto de uma vida. Assim não será sem surpresa que assumam posições mais conservadoras, pois a casa própria é um dos principais simbolos do capitalismo actual e um dos simbolos de do estilo de vida a que todos aspiram, e que não estarão dispostos a abdicar. Mais facilmente manipuláveis facilmente acreditam que coisas como a lei das rendas de Passos dinamiza alguma coisa no mercado e não como aquilo que é como uma medida de guerra classista vinda de cima para baixo.

  3. Nuno Cardoso da Silva says:

    É altura de iniciar processos legislativos de iniciativa popular sobre os fundos imobiliáriose o IMI, assim como sobre as habitações devolutas. Se alguém quiser dar o pontapé de saída, conte comigo.

    • JgMenos says:

      Agora?
      As habitações devolutas ou estão em ruínas e sem crédito, ou são em larga medida o resultado de crédito mal parado sem inqulkinos diisponíveis para pagar rendas deflacionadas..

      Enquanto se tratou de chular os senhorios a iniciativa ‘0popular’ era aplaudir; quem queria casa ia aos bancos porque ninguém se arriscava a entregar casa aos inquilinos a troco de coisa nenhuma mais uma carga de trabalhos e despesas.
      De vitória em vitória até à derrota final…

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